Distribuição na arquitetura do renascimento italiano
Sobre arranjos, compartimentação e circulação interior na casa renascentista.
Luís Henrique Haas Luccas
"Se advertirá, no resto do edifício, que haja salas grandes, médias e pequenas: e todas, uma ao lado da outra, de modo que possam alternativamente utilizar-se. As pequenas se destinarão a formar camarinhas que acomodem pequenos escritórios ou bibliotecas, ou os arreios de cavalgar e outros incômodos que em algumas ocasiões necessitamos e que não é bom que permaneçam nos cômodos em que se dorme, se come e se recebe forasteiros"
A arquitetura do Renascimento italiano abrange uma
produção ampla em quantidade e diversidade (2). Essa dimensão
considerável decorre da conjunção de dois fatores: o dilatado período em
vigência e a disseminação de sua prática em quase todo o território
daquele país, após os primórdios na Toscana e o apogeu na Roma Papal.
Cronologia e regionalização associadas resultaram no pluralismo de
soluções e repertórios utilizados; um fato invariavelmente encoberto
pela suposta unidade apregoada, resultante de uma igualmente aparente
limitação imposta pelo repertório clássico.
Palazzo Médici, 1444. Foto Marcelo Martel
Entre os palazzi Médici (1444) e Valmarana (1565, acima) transcorreu
mais de um século de novas soluções e repertórios, em paralelo à
influência regional sobre arquitetura e projeto.
Foto Marcelo Martel
Foto Marcelo Martel
O Renascimento é o período a partir do qual torna-se
viável uma análise dos arranjos interiores da arquitetura erudita
doméstica. Além dos subsídios de exemplos materiais remanescentes, que
usualmente sofrem alterações através dos séculos, chega até nós uma
extensa documentação gráfica original dos projetos arquitetônicos. Os
tratados de arquitetura embasam melhor ainda a questão, especialmente os
ilustrados, como de Francesco di Giorgio, Sebastiano Serlio e Andrea
Paladio, porque apresentam de forma idealizada e genérica a experiência
empírica acumulada, além de seus próprios projetos e de arquitetos
anteriores. Em seu Tratado, Serlio reproduz edifícios exemplares de
outros arquitetos, como o Tempieto de São Pedro, de Bramante,
transpondo-o para uma situação análoga ideal, no centro de um pátio
circular com colunas periféricas regidas pela matriz radial do templo.
No sexto livro, dedicado à arquitetura doméstica, apresenta exemplos
genéricos de palazzi, ville, casas urbanas e camponesas. Palladio ilustra seus Quatro Libri com muitos trabalhos próprios, redesenhando os edifícios construídos de maneira idealizadora.
Esta reflexão procura identificar soluções sistêmicas
utilizadas na organização interior da arquitetura do Renascimento
italiano, desde o ponto de vista da geometria geradora das formas, da
compartimentação dos espaços e dos percursos estabelecidos para acessar
esses compartimentos. O termo distribuição sintetizou de forma
competente este conjunto de questões, desde seu surgimento na França, no
século XVIII, até o período entre guerras; momento no qual as vanguardas construtivas
passaram a estabelecer seus próprios conceitos metodológicos,
implementando um novo vocabulário adequado àquela ruptura com a
tradição. Aliando-se à crescente especialização dos edifícios e de seus
compartimentos, a partir do período industrial intensifica-se o uso de
circulações segregadas, surge a ideia de continuidade espacial e passam a
ser utilizados fluxogramas e organogramas na concepção da arquitetura,
entre outros artifícios típicos dos processos projetuais ditos
funcionalistas ou racionalistas.
A presente análise delimita-se sobre a produção dos
arquitetos – a arquitetura erudita –, não ignorando seu diálogo com a
tradição empírica, além das referências vitruvianas e arqueológicas da
Antiguidade clássica que inspiraram o projeto renascentista. Detém-se
sobre o programa da habitação, abrangendo as tipologias do palazzo renascentista urbano e suburbano, da villa suburbana
ou rural, das casas rurais camponesas e das casas urbanas populares; as
duas últimas acessíveis através das representações idealizadas de
Serlio em seu Sexto Livro, já referidas. A tese doutoral de Cláudio
Calovi Pereira disponibiliza à consulta um valioso material gráfico
coletado em importantes arquivos, como Uffizi, Soane Museum e Royal
Institute of British Architects (3). Nela o autor diferencia os palácios
monumentais dos menores, nos quais concentra o foco de seu trabalho,
juntamente com casas da baixa aristocracia, priorizando a situação
genérica à exceção dentro de um universo mais numeroso que define tipos.
O interesse de uma investigação neste sentido
consiste no mapeamento de formas usuais de organização interior, no
momento em que deixam de ser sedimentadas de modo empírico e a concepção
intelectual dos arquitetos passa a intervir neste processo. A
polifuncionalidade dos cômodos e o baixo grau de privacidade interior,
durante o Renascimento, seriam substituídos pela gradual diversificação
de funções dos programas domésticos e consequente especialização dos
compartimentos; e pela busca de privacidade, em resposta às necessidades
comportamentais emergentes. A valorização do individual como
condicionante de projeto pode ser observada nos palácios urbanos de
autoridades religiosas ou políticas. Nestes casos, onde ocorreram
atividades protocolares a serem satisfeitas, surgiram circulações,
passagens alternativas e escadas que permitiram, além da privacidade dos
cômodos, os deslocamentos interiores exclusivos, segregando trajetos
íntimos, sociais e de serviços; exemplo disso são escadas de serviços –
secundárias em tamanho e posição – detectadas com frequência nas ville e palazzi
de arquitetos como Serlio, Vignola, Palladio e Peruzzi, entre outros. O
uso de circulações especializadas ainda foi parcimonioso durante o
Renascimento, sendo sua aplicação resumida a vestíbulos interrompendo enfilades e passagens através de compartimentos, além daqueles percursos segregados "funcionais" mencionados (4).
Arquitetura erudita e tradição empírica
Um exame panorâmico do arranjo interior nas ville e pallazzi
renascentistas italianos demonstra a incidência de alternativas
delimitáveis. Tratando-se de arquitetura erudita, as soluções não
obedeceram ao empirismo da tradição, que responde naturalmente aos
condicionantes geográficos, sócio-culturais e econômicos. A mão do
arquiteto dirigiu com firmeza o destino formal destes edifícios.
Entretanto, percebe-se uma clara sistematização de determinadas soluções
tipo-morfológicas, demonstrando que o contexto regional exerceu pressão
sobre o projeto. Essas regionalizações tornam-se bastante evidentes
quando comparamos os palácios urbanos da Toscana, organizados a partir
de um pátio central, aos palácios venezianos, nos quais a sala central
alongada é o elemento organizador da distribuição interior.
A tipologia do palazzo de pátio central
parece surgir mais das questões pragmáticas, da tradição de pátios
informais gradualmente regularizados em busca da perfeição geométrica
clássica, que da recuperação teórica dos ideais clássicos. Manfredo
Tafuri atribui o surgimento do palácio urbano renascentista à simbiose
entre o tipo palácio-torre medieval e o tipo claustro (5). Vale ser destacado que as primeiras ville
foram obtidas a partir da adaptação de fortalezas medievais, como
Trebbio e Cafaggiolo, convertidas por Michelozzo para os Medici em
meados do século XV; e que estas já possuíam pátios interiores com
trechos de arcadas informais. Dentro da concepção de espaços urbanos
contidos pela massa edificada densa, edifícios sobre lotes com formas
irregulares obtinham uma imagem aparentemente racional a partir de seus
pátios. Serlio e Palladio dedicaram lâminas de seus tratados ao tema,
exemplificando como proceder em tais situações; e os desenhos com as
propostas não deixam dúvidas quanto à abordagem. Serlio também fazia a
seguinte recomendação:
"Ao entrar no edifício, atravessa-se uma
série de espaços públicos, que devem ser localizados no centro do
prédio. Tais espaços devem ter forma regular, para que o observador
suponha que o edifício todo é regular. As áreas privadas ou de serviços
flanqueiam esses espaços, desde os limites irregulares do lote; e nelas
se admitem as irregularidades".
Algumas "invenções" formais, ou aprimoramentos de
caráter intelectual, eram introduzidos nos edifícios, ideia
compartilhada por Benevolo quando menciona Galeazzo Alessi em Gênova,
que "estabelece definitivamente o tipo distributivo que depois será
repetido por seus discípulos e continuadores" (6). Outra questão
relevante pode ser extraída dos palácios palladianos de Vicenza, como
Valmarana e Iseppo Porto, nos quais o pátio interior define-se apenas
pela loggia de articulação entre frente e fundos, inexistindo a
estrutura com compartimentos periféricos; o que ocorreu em função dos
lotes estreitos, entre medianeiras, que condicionaram a tipologia
naquela cidade. Segundo Wolfgang Lotz,
"para os nobres da terraferma, o
pátio não tinha o mesmo significado que para seus contemporâneos em Roma
e Florença. Além disso, o entrelaçamento confuso das ruas medievais e a
densidade das áreas construídas de Vicenza não permitiam áreas de
construção amplas" (7).
Deste modo, dissipa-se alguma aparente semelhança
com palácios florentinos que restava, quando avançamos para a
organização interior das duas tipologias.
Um critério classificatório possível
A partir das soluções utilizadas, a distribuição
da arquitetura renascentista italiana pode ser organizada em três grupos
distintos. O primeiro deles é constituído pelos casos onde o acesso aos
diversos cômodos ocorre através dos mesmos, sem o uso de compartimentos
destinados exclusivamente ao deslocamento – circulações. O segundo
grupo abrange situações onde ocorre o uso recintos dedicados unicamente a
acessar aos demais aposentos com privacidade, tão precária no caso das enfilades.
E o terceiro grupo compreende soluções híbridas, onde a distribuição
ocorre diretamente através dos próprios cômodos, em parte, de forma
concomitante ao uso de compartimentos exclusivos para essa finalidade.
I. A distribuição tradicional
Este grupo apresenta a forma elementar de
distribuição, cômodo a cômodo, a prática predominante no Renascimento.
Divide-se, por sua vez, em dois outros subgrupos: o primeiro, onde a
distribuição ocorre através de sequências, formando enfilades em
situações mais organizadas. Esta modalidade adequou-se melhor às
configurações axiais – ou pavilhonares –, cuja associação perpendicular
originou pátios: foi a tipologia de palácios urbanos como Medici, em
Florença, de Michelozzo, e Thiene, em Vicenza, de Palladio; ou
suburbanos como o palácio Del Te, em Mântua, de Giulio Romano, e a villa Sarego, em Verona, de Palladio.
Planta do Palazzo Medici.
Croquis do autor a partir de MURRAY
Croquis do autor a partir de MURRAY
Planta do Palazzo Thiene.
Croquis do autor a partir de PALLADIO
Vista externa do Palazzo del Te, em Mântua, construído entre 1525 e 1535.
Foto Marcelo Martel
Foto Marcelo Martel
Planta baixa do palácio Del Tè, com seu grande pátio interno.
Croquis do autor a partir de LOTZ
Croquis do autor a partir de LOTZ
Logge interiores se fizeram presentes nestes pátios, desde as ville medievais adaptadas por Michelozzo, como já foi mencionado. Em seu primeiro edifício urbano ideal, o Palazzo Medici, o arquiteto introduziu uma galeria periférica que se alarga no lado oposto ao ingresso, numa possível interpretação da domus
vitruviana. A solução foi seguida em outros palácios posteriores, como o
Piccolomini (1459), em Pienza, de Bernardo Rosselino: Medici tornava-se
o protótipo de palácio urbano florentino. A galeria constituía uma
alternativa de distribuição aos compartimentos térreos, além das portas
existentes entre eles. Em poucos casos essa estrutura periférica
manteve-se livre no piano nobile e atico. De modo geral,
tal área foi incorporada aos compartimentos superiores, dispostos a
partir de trajetos estabelecidos de forma subjetiva. No caso dos grandes
palácios Venezia e Cancelleria, em Roma, a galeria claustral se
estendeu ao piano nobile, assim como em Thiene e Sarego, os dois exemplos de Palladio mencionados. O palazzo Del Tè, por sua vez, não apresentou uma galeria junto ao pátio (o que configura o cortile) como alternativa para deslocamentos. Sendo um edifício com função de villa,
voltado ao lazer e sem necessidade de acomodação permanente, sua planta
baixa desenvolveu-se em quatro alas, onde a distribuição ocorre somente
através dos próprios compartimentos, um após o outro (8).
O segundo subgrupo enquadra as soluções de plantas
tripartidas, onde salas centrais, sequências de salas, ou sequências de
salas unidas por passagens (uma permissão que se pode fazer ao grupo a
caminho da situação híbrida) estabelecem a distribuição para os cômodos
mais privativos nos flancos. Foi a forma usual de distribuição nos palazzi
venezianos como Corner della Cá Grande, de Sansovino, e Grimani, de
Sanmicheli; destaque-se que o primeiro apresenta um pátio na parte
posterior do edifício, em condição visivelmente secundária, prevalecendo
a sala central como elemento definidor tipológico. O arranjo com sala
central também foi adotado nas ville papais de Frascati, nos
arredores de Roma, como Rufina, Tusculana, de Vignola, e Mondragone, de
Nanni di Baccio, estendendo-se às casas ditas bandeiristas dos séculos
XVI a XVIII, em São Paulo, e algumas tipologias similares da América
hispânica.
Palazzo Corner della Cá Grande em Veneza. Planta organizada em torno das salas centrais alongadas.
Corquis do autor a partir de LOTZ
Corquis do autor a partir de LOTZ
Palazzo Grimani em Veneza. Planta organizada em torno das salas centrais alongadas.
Croquis do autor a partir de LOTZ
Croquis do autor a partir de LOTZ
Link: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.129/3748
Renascimento, sempre bem-vindo.
O Renascimento apresenta maior expressão na Itália, começando na região
da Toscana para depois se difundir pela península Itálica. Também
acontecem manifestações de importância na Inglaterra, Alemanha e Países
Baixos, com menos intensidade aparecem em Portugal e na Espanha.
Renascimento é a “redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista ”. E nesse conceito você pode renovar seu ambiente ou destacar peças renascentistas na decoração. A dosagem correta dos contrastes de estilos resultam em ambientes únicos e de grande interesse.
Renascimento é a “redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista ”. E nesse conceito você pode renovar seu ambiente ou destacar peças renascentistas na decoração. A dosagem correta dos contrastes de estilos resultam em ambientes únicos e de grande interesse.
A Arte Moderna - Arte Renascentista ou do Renascimento (Arquitectura)
A arquitectura renascentista é descendente natural da arte da Antiguidade Clássica, da Grécia e de Roma, da qual herdou os princípios fundamentais de harmonia e equilíbrio.
Diferencia-se da arte medieval principalmente nas formas
arquitectónicas e é possível, inclusivamente, assinalar a data do início
da utilização das novas formas arquitectónicas: 1418, o ano em que
Brunelleschi oferece a solução e o modelo para cobrir com uma cúpula a
Catedral de Florença.
Os arquitectos renascentistas estudaram profundamente a arquitectura clássica, através da observação de monumentos dessa época e pelo estudo dos tratados de arquitectura clássica, revelando um grande interesse pelo coleccionismo e pela arqueologia.
Criaram assim, uma arquitectura monumental e ligada aos princípios do Humanismo.
Os arquitectos renascentistas estudaram profundamente a arquitectura clássica, através da observação de monumentos dessa época e pelo estudo dos tratados de arquitectura clássica, revelando um grande interesse pelo coleccionismo e pela arqueologia.
Criaram assim, uma arquitectura monumental e ligada aos princípios do Humanismo.
Arquitectura religiosa:
- Em termos estruturais, a arquitectura do Renascimento do séc. XV usou a planta basilical em cruz latina.
Catedral de Santa Maria das Flores, transição do estilo gótico para o estilo renascentista
Brunelleschi, Igreja do Santo Espírito
Link: http://umolharsobreomundodasartes.blogspot.com.br/2010/11/arte-moderna-arte-renascentista-ou-do_15.html
Postado por: Bruna, Thais e Flávio
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